O Homem que queria salvar o mundo
Clara Gurgel
Há dez anos perdíamos o “Homem Que Queria Salvar o Mundo” , Sérgio
Vieira de Mello. Sérgio era o nosso diplomata na ONU. Um dos diplomatas mais
carismáticos e corajosos da sua geração. Foi, sobretudo, um grande político.
Estrategista e pragmático como lhe impunha o cargo de diplomata, mas também
dotado de um senso crítico apurado, moldado nas ruas de Paris em Maio de 1968.
Sabia como ninguém a arte de contrabalançar esses dois polos inerentes a sua
personalidade. Sua formação acadêmica em filosofia lhe proporcionava um ângulo diferente
sobre os conflitos que gostava de acompanhar de perto, diferentemente da
maioria de seus colegas que preferiam os gabinetes de Genebra. Inquieto, sempre
a procura de novos desafios, esteve em situações especialmente dramáticas como
a crise humanitária em Ruanda, ou ainda, na difícil transição para a
independência no Timor Leste. Nessas ocasiões, era sempre muito fiel aos
princípios da Organização para a qual trabalhava, ainda que ficasse bastante à
vontade para lhe tecer críticas também quando fosse necessário. Acreditava que
o sistema internacional seria bem mais eficaz e humano se enfocasse a
dignidade. A dignidade das pessoas, das comunidades, dos países. Sabia que
estrangeiros poderiam trazer dinheiro, força política e tecnologia, mas, desde
que, apoiassem lideranças, processos e desenvolvimento de capacidades locais.
E só assim ele entendia, se apaixonando cada vez mais pelo que fazia.
Determinado, não media esforços, até mesmo físicos, para a obtenção de
resultados positivos. Determinação essa, por exemplo, que o levou, em 1992, a
um encontro com guerrilheiros do Khmer Vermelho dentro da selva, no Camboja, se
tornando a primeira visita oficial da ONU, em tentativa de negociação, depois
de muitos anos.
Em 2003, depois dos EUA terem se dado conta que a questão no
Iraque seria mais complexa do que parecia, a ONU interveio. Talvez um pouco
tarde. Na política do terror implantada por George W. Bush, “ou vocês estão do
nosso lado, ou estão contra nós”, não havia espaço para neutralidades e o Iraque
enxergou na presença da ONU ali, naquele momento, um alvo vulnerável, acabando
por custar a vida do nosso diplomata e de toda a sua equipe.
Curiosamente, Sérgio Vieira de Mello encontrou-se no final, na posição de
muitas vítimas a quem tinha defendido ao longo de sua carreira. Morreu
acreditando que a ONU tinha o dever de fazer a diferença e, infelizmente, foi
essa crença que o soterrou. Que fique o legado e o exemplo de grande cidadão do
mundo que o Sérgio foi. Um brasileiro que, com certeza, muito me orgulha nesses
tempos escassos de “boa safra”.